FAMÍLIA DIVIDIDA NO FIM DO MUNDO
Profecia do fim do mundo testa famílias americanas separadas pela crença
Religiosos se preparam para autodestruição da Terra no Dia do Juízo
Final, previsto para este sábado, dia 21 de maio de 2011
The New York Times | 21/05/2011 08:07
As crianças da família americana Haddad, de Middletown, Maryland, têm
muito em suas cabeças: projetos escolares, provas de fim de ano, festas
de fim de semana. E os pais acreditam, acima de tudo, que a Terra
começará a se autodestruir neste sábado mesmo.
Os três adolescentes têm se esforçado para dar sentido ao seu universo,
que começou a mudar há quase dois anos quando sua mãe, Abby Haddad
Carson, deixou seu emprego como enfermeira para "tocar a trombeta" em
viagens missionárias com o marido, Robert, distribuindo panfletos que
anunciam o fim do mundo. Eles pararam de fazer manutenção na casa e
economizar para a faculdade dos filhos.
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Foto:
The New York Times
Família Carson, em Middletown, cujos pais creem que a Terra
começará a se autodestruir neste sábado mesmo |
Na semana passada, a família viajou a Nova York, os pais arrastando seus
relutantes filhos por uma feira de rua em Manhattan, em um último
esforço para espalhar a palavra. "Minha mãe já me disse que eu não vou
entrar no céu", disse Grace Haddad, 16 anos. "No início foi muito
frustrante, mas é o que ela realmente acredita".
Milhares de pessoas passaram os últimos dias nas ruas dizendo seus
últimos adeus antes deste sábado, o Dia do Juízo Final, quando
eles
esperam ser absorvidos no céu em um processo conhecido como
Arrebatamento. Os descrentes, eles dizem, serão deixados para trás a
perecer juntamente com o mundo ao longo dos próximos cinco meses.
Com suas camisetas, cartazes e panfletos, os seguidores – muitas vezes
segurando Bíblias – são tipicamente vistos como inofensivos
proselitistas de religiões menores. Mas suas convicções frequentemente
criam muita tensão dentro de suas próprias famílias, em particular com
familiares cuja principal preocupação sobre o fim de semana é saber se
vai chover.
Kino Douglas, 31 anos, um agnóstico confesso, disse que é difícil estar
ao lado de sua irmã Stacey, 33 anos, que “não quer falar sobre outra
coisa”. "Eu digo: 'Oh, o que vamos fazer nesse verão?’ E ela responde:
'O mundo vai acabar no dia 21 de maio, então eu não sei por que você
está se planejando para o verão’. E então todo mundo exclama: ‘Ai,
menina!'", disse ele.
Os irmãos Douglas vivem perto um do outro, no Brooklyn, e Kino disse que
mal pode esperar até domingo – “Eu vou aparecer na casa dela para
que possamos ter uma conversa que está sendo preparada há anos".
Juízo final
A filha de Stacey Douglas, que tem sete anos de idade, disse que embora
sua família não veja o futuro do jeito que a mãe o vê, ela pode colocar
uma placa do Dia do Juízo Final na frente da sua casa.
"Eu nunca pensei que estaria fazendo isso", disse Stacey Douglas, que
tirou férias de seu trabalho de babá esta semana, mas não chegou a pedir
demissão. "Eu estava em um relacionamento abusivo. Um dia, meu filho
estava brincando com o controle e colocou no canal do Sr. Camping. Eu
pensei: 'Esse cara é louco'. Mas eu fiquei pensando sobre aquilo e algo
me fez voltar”, contou.
Stacey Douglas e outros crentes acreditam na profecia de Harold
Camping, engenheiro civil e estudioso bíblico autodidata cujo
cenário apocalíptico – transmitido na emissora Rádio da Família – prevê
que no dia 21 de maio de 2011, acontecerá o Dia do Juízo Final. Nesse
dia, calculado com base na Bíblia e assumindo que o mundo vai acabar
exatamente 7 mil anos após o dilúvio de Noé, os
crentes serão transportados para o céu conforme um imenso terremoto
atingirá o mundo.
Os descrentes passarão por cinco meses de pragas, terremotos, guerras,
fome e tormento geral antes da destruição total do planeta, em outubro.
Em 1992, Camping disse que o arrebatamento
provavelmente aconteceria em 1994, mas agora ele diz que
novas evidências fazem com que a profecia seja certa para este ano.
Kevin Brown, um representante da emissora Rádio da Família, disse que o
conflito com outros membros da família é parte do teste para saber se
uma pessoa realmente acredita e tem fé na profecia. "Eles passam pela
prova de fogo diariamente", disse.
Em Nova York, Gary Daniels segura cartaz sobre chegada do fim do mundo
neste 21 de maio de 2011
Gary Daniels, 27 anos, disse que planeja passar o sábado como outros
crentes, "colado na televisão, à espera da ressurreição e do terremoto
de nação a nação”. Mas ele reconheceu que sua família não o apoia
totalmente. "No início houve um pouco de raiva e tensão, não escutávamos
uns aos outros e só gritávamos ideias", disse Daniels.
Mas sua família passou a respeitar sua crença – ainda que não concorde –
e seus pontos de vista, e ele saiu de sua casa em Newark, Delaware, na
noite de segunda-feira em uma caminhonete coberta com mensagens do Dia
do Juízo Final para dizer adeus aos parentes, no Brooklyn.
"Eu sei que não vou vê-los novamente, mas eles estão muito certos de que
vão me ver e é por isso que eu fico tão triste", disse ele. "Eu choro ao
saber que eles não têm qualquer ideia de que essa coisa avassaladora
está vindo direto para eles, chegando em sua direção como um meteoro".
Movimentos
Courtney Campbell, um professor de religião e cultura da Universidade de
Oregon, disse que os movimentos sobre o "fim dos tempos" frequentemente
são ligados a datas significativas, como o 1º de janeiro de 2000, ou
momentos de aguda crise social.
"Geralmente estamos procurando respostas em uma era de grande
importância social, política, econômica, bem como de tumulto natural",
disse Campbell. "Nesse momento, existem muitas catástrofes naturais que
irão deixar as pessoas preocupadas, quer se trate de tornados no Sul ou
de terremotos e tsunamis. Os Estados Unidos estão agora envolvidos em
três guerras. Ainda estamos em um período de incerteza econômica".
Embora Haddad Carson tenha abandonado seu emprego, seu marido ainda
trabalha como engenheiro do Departamento de Energia Federal. Mas as
crianças se preocupam que pode não haver dinheiro suficiente para a
faculdade. Eles também têm as angústias típicas de adolescentes – como a
vergonha dos pais - amplificadas.
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"As pessoas olham para minha família e acham que eu sou assim", disse
Joseph, 14 anos, enquanto seus pais atravessavam a Nona Avenida
distribuindo Bíblias. “Eu mantenho meus amigos o mais longe possível
deles. E já não tenho qualquer motivação para tentar descobrir o que eu
quero fazer, porque a minha principal fonte de apoio, os meus pais, não
se importam”.
Sua mãe disse que aceita que os crentes “perdem amigos e membros da
família no processo”.
"Eu tenho sentimentos mistos", disse Haddad Carson. "Estou muito animada
com a volta do Senhor, mas estou com medo de que meus filhos possam
ficar para trás. Mas você tem de aceitar a vontade de Deus”.
As crianças, no entanto, têm encontrado motivos para rir. "Ela diz:
'Você precisa limpar seu quarto’", disse Grace. "E respondo: 'Mãe, isso
não importa se o mundo vai acabar!"'
Ela e sua irmã gêmea, Faith, têm uma festa de aniversário na noite de
sábado na hora que seus pais acreditam que acontecerá o Arrebatamento.
"Então, se o mundo não acabar, eu realmente gostaria de ir nessa festa",
disse Grace, e acrescentou: "Embora eu não sei se meus pais estarão
emocionalmente abalados ou não nesse momento”.
*Por Ashley Parker
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